"A história é a filosofia inspirada nos exemplos."
Dionísio de Halicarnasso

sábado, 22 de outubro de 2011

Domingos Pacó

Domingos Ramos Pacó (Itambacuri – 1867, Campanário – 1935) foi um intérprete e professor indígena bilíngüe.

Foi o primeiro professor indígena do aldeamento de Itambacuri. No seu legado, merece destaque a elaboração de um manuscrito onde ele apresenta um parecer sobre a origem das cidades de Itambacuri e Igreja Nova (atual Campanário).

História

Domingos Pacó é filho de Félix Ramos da Cruz e Umbelina Ramos da Cruz. O pai, Félix, já se encontrava estabelecido na região onde hoje é Itambacuri antes mesmo da chegada dos padres fundadores da cidade. A mãe, Umbelina, era uma índia filha do Capitão Pahóc.

Capitão Pahóc

Capitão Pahóc foi um chefe indígena que teve grande importância para o sucesso do aldeamento de Itambacuri. A missão dos fundadores não teria sido possível sem a negociação e conquista do apoio das lideranças indígenas que estavam sob o comando de Pahóc.

O grupo sob sua liderança era formado por 800 guerreiros, além de outros 100 homens localizados em regiões de limites, em pontos estratégicos, para a defesa contra possíveis incursões de inimigos.

Pahóc costumava se relacionar com os não-índios. Nessas ocasiões era acompanhado por um número considerável de membros da tribo e do língua (intérprete) Félix Ramos da Cruz – com quem já havia estabelecido parceria antes mesmo da chegada dos fundadores.

Félix Ramos da Cruz

Félix Ramos da Cruz tinha relações de amizade com o Capitão Pahóc e era um grande conhecedor da região. Além disso, era também um importante língua. Os línguas gozavam de reconhecido prestígio, advindo de sua habilidade em intermediar, por meio de simultânea tradução oral, aquela que era considerada uma difícil (e às vezes perigosa) comunicação entre indivíduos de diferentes culturas.

Os línguas não dispunham de livros para a aprendizagem do idioma, até porque, ao que se sabe, o primeiro registro do falar daqueles índios foi publicado apenas em 1909, na Alemanha, graças ao esforço de Bruno Rudolph - imigrante que elaborou dicionário em alemão da língua botocuda. Assim, a comunicação com os índios era orientada tão somente pelo esforço constante e habilidade dos línguas.

Félix casou-se com Umbelina, uma índia filha do Capitão Pahóc. A união inaugurou o livro de registros dos diretores do aldeamento, sendo o primeiro casamento oficializado em Itambacuri pelos fundadores Frei Serafim e Frei Ângelo, um ano após instalada a missão.
Dessa forma, Félix reunia não apenas a figura de um “nacional” que guardava profundos conhecimentos sobre a região e domínio da comunicação com os índios, mas também representava um elo ainda mais importante no trato de confiança com estes, sendo um importante mediador político.

Do relacionamento de Félix com Umbelina nasceu Domingos Ramos Pacó.

O Professor

Domingos Pacó foi o primeiro professor de origem indígena da região do aldeamento de Itambacuri.

Pacó foi alfabetizado pelos padres fundadores (diretores do aldeamento) e atuava como sacristão. Em seguida passou a exercer o cargo público de secretário, ecônomo e professor. Recebeu o título do magistério a 3 de janeiro de 1882, iniciando imediatamente suas atividades. Na época, Pacó tinha apenas 15 anos de idade.

O professor Pacó lecionava para filhos de indígenas e de não-indígenas em uma escola feita de pau a pique – localizada nas proximidades do convento da cidade.  Permaneceu no cargo por 19 anos, até ser substituído, em 1901, pelo professor Manuel Pereira Tangrins.

Manuel Pereira era um músico casado com uma índia. A alcunha Tangrins, que lhe foi dada pelos índios e é apresentada como sobrenome, significa “músico” na língua dos nativos.

A substituição de Pacó teria sido motivada pela negligência com o cargo. O professor havia se tornado alcoólatra, o que comprometia, além da saúde, as atividades como educador. Além disso, pode-se inferir que a demissão do professor tenha se imposto sob um novo conjunto de regras relativas à administração escolar dos índios, adotada nos primórdios da República pelos diretores da então colônia indígena.

O Manuscrito de Pacó

Uma das realizações de Domingos Ramos Pacó foi a redação de um manuscrito de grande valor histórico, considerado um dos raros documentos escritos por um índio brasileiro no século XIX.

O trabalho é apresentado em 22 páginas de papel almaço, redigido com bela caligrafia, e apresenta, entre outras impressões, uma visão particular sobre a origem das cidades de Itambacuri e Igreja Nova. A obra é intitulada “Pequena narração ou origem de como foi descoberto o Itambacuri – 1873”.

O manuscrito apresenta notícias históricas e é também interessante pelo expresso amor à raça e língua indígenas, contendo várias passagens escritas no idioma original de Pacó. Em uma dessas passagens, Pacó traça um auto-retrato e se coloca entre os primeiros professores de Itambacuri.

Ele fala também sobre os padres fundadores afirmando que eles, conhecendo sua inteligência e aproveitamento nas letras, pediram ao Governo Provincial autorização para incluí-lo no ensino do aldeamento indígena de Itambacuri.

Pacó aproveita para registrar que sua escola chegou a ter o maior número de matrículas de filhos de indígenas. No texto, também fica clara a mágoa com ex-alunos que tiveram com ele “conhecimentos úteis a respeito da instrução primária e, agora que ocupam cargos, sentem vergonha de dizer que foram educados por um professor indígena”. E segue, reprovando os que se envergonham da descendência indígena.

No seu relato, Pacó descreve uma visão da selva diferente da dos colonizadores. Para ele, a selva era um local de recreação, idéia que contrasta com os medos e perigos descritos pelos missionários. Pacó ressaltava que todos aqueles córregos, rios e serras já possuíam um nome em língua indígena antes mesmo da chegada dos colonizadores.

Segundo Izabel Missagia de Mattos, a memória da fundação da missão em Itambacuri, escrita pelo professor, pode ser lida não apenas como crítica, mas, no limite, como uma verdadeira denúncia da pedagogia excludente e da invisibilidade gerada sobre a participação do indígena no trabalho realizado pelos capuchinhos.

Fim da vida

Após deixar o magistério, Pacó retirou-se para as matas. Tempos depois, mudou-se para Igreja Nova (atual Campanário) onde, a pedido de moradores, chegou a abrir uma escola e lecionar.

Pacó foi casado com uma indígena de nome Zulmira Jupeti, com quem teve filhos.
O professor bilíngüe, figura de importância além da história itambacuriense, viveu seus últimos anos na cidade de Campanário, onde faleceu no ano de 1935.

Referências bibliográficas

- MATTOS, Izabel Missagia de. Civilização e Revolta – Os Botocudos e a Catequese na Província de Minas. EDUSC. Bauru – 2003.
- MATTOS, Izabel Missagia de. Domingos Ramos Pacó, professor bilíngüe e intérprete do aldeamento missionário do Itambacuri, MG. XXIV Simpósio Nacional de História, São Leopoldo - 2007. Seminário Temático Os Índios na História: Fontes e Problemas.
- PALAZZOLO, Frei Jacinto de. Nas Selvas dos Vales do Mucuri e do Rio Doce. 3ª Edição. Companhia Editora Nacional. São Paulo - 1973.
- BRASILEIRO, Danielle Moreira. O Aldeamento Indígena Nossa Senhora dos Anjos -
PACÓ: Memória e indigenismo no Vale do Mucuri – MG. Associação Nacional de História – ANPUH. XXIV Simpósio Nacional de História. São Leopoldo – 2007.

2 comentários:

  1. O que aconteceu com os os descendentes domingos pacó ...sera que eles estar em campanario mesmo? Poderia fazer voltar a pesquisar sobre sua família. ....ele fez tanto por itambacuri e nao tem nem um rua com seu nome simplesmente nada

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    1. Tem razão. Não tem nada... Vou falar sobre ele no programa deste sábado, na São Francisco FM. O programa vai estar no site itambacuri150anos.com.br e aqui na Itypédia também. Há parentes dele em Ity e em Campanário.

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